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March 28, 2013

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LUÍS FORMIGA
“Só quero fazer música que mereça ser música”

Luís Formiga é um jovem cantautor portuense. Tem já dois EP na calha e prepara-se para lançar o seu primeiro longa duração, possivelmente, no terceiro trimestre deste ano. O Diário de Notícias falou com o artista.

Em 2011 emprestou o nome ao seu primeiro EP, Luís Formiga, em julho do ano passado seguiu-se Dois Depois e, agora, prepara-se para o lançamento do seu primeiro longa duração. O cantautor portuense não pode dar ainda certezas, mas talvez seja editado no terceiro trimestre deste ano. Letras interventivas, capazes de colocar o dedo na ferida e evocar a miséria de um amor que falece, como o faz em Listost: palavra checa indefinida que Milan Kundera ousou definir. Temas esses, acompanhados por uma folk influenciada por Townes Van Zandt, mas sem esquecer a cadência e a síncope da bossa nova de Vinicius. “No fundo só quero fazer música que mereça ser música”, foi o que revelou ao DN na entrevista que se segue.


Já foi avançado que está a preparar o primeiro longa duração. Quais são os músicos convidados para este projecto? Já pode avançar com uma data para o lançamento?
Há ainda uma incerteza quanto ao lançamento, o esboço inicial faz prever a possibilidade de editar o álbum no terceiro trimestre do corrente ano. As músicas têm surgido sempre com o selo da necessidade mas nunca tiveram uma qualquer urgência adjacente, talvez por um respeito pelo tempo que alguns temas levam a confessar o que pretendem ser. A ideia de colaborar com mais músicos deveu-se a um entender, na fase de pré produção, que algumas músicas necessitariam de diferentes colorações.

Vai continuar sob a tutela da Covil Estúdios?
Sim, enquanto isso significar trabalhar com o Hugo Pereira como produtor. O Hugo teve sempre um respeito pelas minhas composições e aquilo que procuro para as mesmas, que confronta eficazmente com um sentido crítico musical muito depurado. Nós temos uma consideração mútua e um entendimento que tem tornado a parceria muito produtiva.

Podemos esperar uma composição musical instrumentalmente mais rica? O que ambiciona explorar musicalmente e que agora tenha surgido a oportunidade?
No fundo só quero fazer música que mereça ser música.

Como surgiu a parceria Luís Formiga e Pedro Campos? A ideia de introduzir o baixo no segundo EP? Instrumentalmente está mais simples do que o primeiro mas ideia de baixo confere uma outra sensação de preenchimento.
Tinha já com o Pedro, a amizade como pano de fundo e algumas incursões musicais. A vontade de trabalhar com ele neste formato partilha a mesma data que a composição das primeiras músicas, só não tinha acontecido anteriormente por uma mera incompatibilidade geográfica.

Mais do que folk ou indie-folk, o Luís recebe influências directas da bossa nova, visível nos dedilhados e cadência rítmica de alguns temas. Discos de Caetano Veloso, Chico Buarque ou Vinicius constam na sua coleção de discos? Quanto ao folk o que é que mais ouve?
Sim, certamente! No entanto o género musical em que se enquadra a minha música não reflectirá directamente as minhas preferências musicais. Mas dentro do folk, o músico que tenho consciência que mais me influenciará é Townes Van Zandt.

Todos passamos por aquela altura em que temos de definir ou decidir o que fazer profissionalmente. Para além da arquitetura e música, tem ainda um bacharelato em psicologia. Essa altura para si devia ter sido uma verdadeira encruzilhada…
Talvez a dificuldade maior foi que, até então, vivia sempre segundo um rígido planeamento com directrizes assentes numa projecção dos dias vindouros, quer no campo profissional, como pessoal. Abandonei o curso de psicologia no quarto ano para seguir arquitectura, que no fundo representou em mim a realização, que mesmo dentro de todo o planeamento, a vida seria sempre um rascunho de si mesma, e era necessário afastar-me da pressão ditatorial do tempo, que tantas vezes nos parece dizer que é tarde demais, respeitando-me o suficiente para virar as costas a algo que simplesmente não me servia e preenchia mais. Nunca é tarde demais para seres quem tens de ser.

De alguma forma a psicologia ajuda-o na análise que faz nas suas letras? São dotadas de uma capacidade de observação muito forte e incisiva do quotidiano.
Talvez, mas é-me difícil perceber claramente a fronteira entre o que ficou impresso em mim através de estudo do comportamento, com a comum intuição e observação do real.

Listost, o que significa? O que está por trás do nome?
Litost é uma palavra checa praticamente intraduzível, Kundera define-a como um estado de tormento criado pela súbita visão da nossa própria miséria. A música em questão retrata a morte lenta de um amor, litost foi a palavra que melhor ilustrou o sentimento por detrás desse falecimento.

E quanto à literatura? Quais os autores que lê e o inspiram?
Baudelaire será uma das principais referências, mas geralmente é na filosofia que encontro maior inquietação, e daí, curiosamente, consolo, que me renova e me devolve a mim mesmo.

É sempre arriscado alguém expor-se numa letra ou nem por isso?
A primeira batalha que enfrentei quando surgiu a remota possibilidade de “mostrar” de alguma forma as músicas deste projeto a uma audiência foi, não apenas, o que o acto constituía só por si, uma afronta parcial à razão porque eu fazia o que fazia, mas tal, continha ainda na sua génese o terrível receio da exposição.Inicialmente para mim, a exposição funcionou de alguma forma como um forte acto de aceitação pessoal e consequente validação, encontrando um honesto sossego na concepção de que esta é uma forma de me doar ao mundo.

Gosta de associar as canções a imagens, desenhos ou fotografias?
Acredito que os mesmos não necessitam dessa associação para se constituírem como algo completo e total só por si. Mas muitas vezes o suporte de registo que uso para a representação de algo que ocupa um espaço em mim, coincide, um desenho numa folha com um poema a figurar paralelamente, e dessa forma surge esse tipo de representação que eventualmente acabo por usar.

Por falar em fotografia, também é uma área que o atrai…
A fotografia tem-me ajudado a enganar a memória, onde tudo parece morrer uma segunda vez.

A música é ou não o meio em que pode conciliar todas as áreas que lhe interessam?
Estou correntemente a desenvolver um projecto que assenta na concepção de uma forma de tradução de arquitectura para música e vice-versa, que percebo ser uma vez mais, uma maneira de juntar duas áreas que me preenchem. Consigo conceber que existirá algures uma necessária sanidade em distanciar-me dessa abordagem, nem que por uma simples mudança de foco e perspectiva. Porém devo reconhecer que até então a música tem ocupado um papel central, servindo como suporte para um convívio harmonioso entre as diferentes áreas.

O Luís revelou-me estar numa quinta no distrito Aveiro. A ideia de espaço, natureza é importante para si?
Sou um panteísta confesso. Para além disso, esse local oferece-me os três tesouros da vida: espaço, silêncio e tempo.

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